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Número de Ondas

domingo, 18 de fevereiro de 2018

ZONA DE PERECÍVEIS (124)


Rankings, Realidade & Excell

Aparentemente, a vozearia à volta dos rankings das escolas foi, desta feita, menor. A feira mediática parece ter-se cansado desse território e os tudólogos da pátria, à míngua de antena, encolheram os ombros. Como os pastéis de nata, dir-se-ia, os rankings acabam por enjoar – até os entusiastas ex-maoístas que, há décadas, ansiavam em lágrimas pela sua publicação. 
Lembro que em momento algum ministério, professores, direcções escolares e sindicatos desvalorizaram o tratamento sério, avisado e responsável dos dados resultantes de exames ou provas de aferição. A diferença estava em que essa análise, na opinião de quem estava – está - mesmo interessado no sucesso da Escola (sobretudo, no sucesso da Escola pública), deveria ser feita dentro do próprio sistema. Objectivo: encontrar estratégias para potenciar boas práticas ou corrigir falhas.
Já os arautos da exposição dos rankings viam na publicação ruidosa de classificações por escola a chave para a excelência deveniente: as escolas boas – maioritariamente associadas ao ensino privado – seriam reconhecidas e premiadas; as más – maioritariamente públicas – tornar-se-iam, por vergonha ou castigo, também boas ou desapareceriam. Na cave desta retórica, havia o ideal de uma Escola tendencialmente privada e, como acontece nos Estados Unidos da América, de uma desvalorização-residualização do ensino público, destinado apenas à população socialmente desfavorecida.
Quem estuda há muitos anos o fenómeno da educação sublinhou oportunamente, para escândalo dos entusiastas dos rankings, que países muito desenvolvidos haviam já experimentado essa prática e, depois, optado por tratar internamente os dados anuais relativos à avaliação dos seus alunos. Porquê? Porque entenderam que aquela exposição pública prejudicava mais do que beneficiava o sistema. Mais consideraram que os rankings eram, por natureza, falhos de rigor, injustos e contraproducentes, pois configuravam, na prática, a emergência de estigmas dificilmente reversíveis e a simplificação abusiva do mérito escolar e educativo das escolas.
Não me custa concordar com essa teoria: ao longo dos últimos anos, tenho assistido à substituição do estudo competente e produtivo dos resultados escolares por um ruído profundamente demagógico e politicamente enviesado. Cheguei a ler, em jornal de referência, um ex-maoísta a “explicar” que, com base nos rankings, as famílias iriam poder escolher as melhores escolas para os seus filhos!...
Já estive em escolas com bons resultados nos rankings – e eu era o mesmo professor que fui, depois, em outros estabelecimentos de ensino com piores resultados. Também já vi bons resultados num ano e menos bons no seguinte, tudo na mesma escola, com as mesmas práticas e os mesmos professores.
Há uns anos, a melhor aluna do 9.º ano da minha escola foi, no final do terceiro ciclo, prestar provas a um colégio privado para provar que merecia cursar aí o ensino secundário. Foi admitida. Esse colégio é dos que brilham, ano após ano, nos rankings. Na escola onde trabalho, atentai, admitimos todos os alunos, independentemente das qualidades intelectuais que revelem à partida.
Ainda uma pequena “anedota” (verdadeira): há uns dezasseis anos, a minha Filha e outros quatro ou cinco colegas do 12.º ano quiseram fazer exame nacional de Filosofia, de modo a poderem concorrer aos cursos universitários que almejavam. Ao longo do ano lectivo, essa disciplina não fizera parte do seu currículo, pelo que se auto-propuseram a exame. Eram, de modo geral, bons alunos e, graças ao estudo aturado (e à sua inteligência, claro), obtiveram excelentes classificações na prova. De tal resultou que o estabelecimento de ensino onde fizeram o 12.º ano ficou classificado, em termos de ranking, no top ten nacional, no que a Filosofia diz respeito. Tirando o facto de a escola (recordo) não ter essa disciplina no currículo, foi um momento de conspícua glória para aquela comunidade educativa.
No espírito mercantilista e futeboleiro dos rankings, talvez valesse a pena pensar nesta proposta, que ofereço de graça: cada escola - privada ou pública - escolheria os cinco melhores alunos para levar a exame (de Português, Matemática, etc.). Estou convencido de que, assim, a competição seria mais justa – e a percepção do sucesso escolar, tão artificiosa como a que actualmente se lê nas folhas de Excell, estender-se-ia enfim a todo o território português.

Coimbra, 11 de Fevereiro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Uma versão (mais curta) desta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 15-02-2018. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.contra-facção.blog.br.]

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