Espuma autárquica
Os resultados das últimas autárquicas não devem, naturalmente, ser lidos como se se tratasse de uma eleição idêntica à das legislativas. Mas tão-pouco me parece avisado ignorar o cariz fatalmente nacional da consulta. Enquanto eleitor, já me habituei a votar em diferentes candidatos/partidos numa mesma eleição autárquica – e uma ou outra vez lá engoli o meu sapo, ajudando a eleger presidentes de câmara que não convidaria sequer para um café; nesses casos, reservo a minha sinceridade maior para a escolha do presidente da Junta ou da Assembleia Municipal. Trata-se de pensar no País em geral, no primeiro caso, e de confiar pessoalmente nos nomes a sufrágio, no segundo.
Já toda a gente opinou sobre as vitórias e as derrotas mais conspícuas do dia 01 de Outubro (aqui se destacando o evidente sucesso do PS, claro). Creio, contudo, que poucas vozes se têm ocupado de um certo fenómeno importante, aparentemente larvar, no panorama político de Portugal – o do esvaziamento do PSD em benefício já não apenas do PS, mas do CDS-PP. É verdade que no Porto o partido de Assunção Cristas se abrigou sob a asa magna do independente Rui Moreira; mas bastaria reparar nos resultados em Lisboa para se perceber o extraordinário reforço dos chamados “centristas”. A quem, no PSD, a acusava de traição, Cristas já veio dizer que Passos Coelho menorizou as autárquicas, nunca assumindo a urgência, nesse plano, de um trabalho aturado, consistente e próximo nas ruas e bairros da capital.
Julgo que as ideias, a atitude e o discurso de Passos, enquanto primeiro-ministro, muito contribuíram para esta emancipação do CDS-PP, que passou a ser visto, não só como muleta do partido principal da Direita, mas como alternativa moderada e razoavelmente humanista a um certo liberalismo de pacotilha (espécie de Margaret Thatcher requentada). Sintomaticamente, em Loures, o CDS-PP envergonhou-se do discurso troglodita de André Ventura. Esse pudor, do ponto de vista do eleitor nacional, é uma relevantíssima afirmação de higiene e de decência, que pode, a prazo, ser um trunfo não despiciendo. A confirmar nas legislativas.
Os resultados do PCP mereceriam uma crónica inteira. Ainda assim, à laia de telegrama, aduzo algumas notas. É mais ou menos unânime a ideia de que os autarcas da CDU são, em geral, competentes, dedicados e honestos. A perda (dramática) de poder autárquico representa, neste caso, o preço a pagar pela aproximação dos comunistas, na Assembleia da República, ao PS (e, concomitantemente, uma tácita legitimação da transferência de votos para o partido de António Costa)? Pode ser. Mas o que sobretudo ressalta da situação, não apenas conjuntural, é esta aparente incapacidade de o PCP se renovar, actualizando alguns dos seus conceitos fundadores, sob pena de morte por obsolescência.
A Direita diz que o PCP não pode mudar porque, se o fizer, desaparece. Mas pode, creio eu, suceder o contrário: desaparecer (ou tornar-se residual) por não mudar.
Coimbra, 08 de Outubro de 2017.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.educacao.cc.]
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