Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

domingo, 22 de outubro de 2017

ZONA DE PERECÍVEIS (107)



Espuma autárquica

Os resultados das últimas autárquicas não devem, naturalmente, ser lidos como se se tratasse de uma eleição idêntica à das legislativas. Mas tão-pouco me parece avisado ignorar o cariz fatalmente nacional da consulta. Enquanto eleitor, já me habituei a votar em diferentes candidatos/partidos numa mesma eleição autárquica – e uma ou outra vez lá engoli o meu sapo, ajudando a eleger presidentes de câmara que não convidaria sequer para um café; nesses casos, reservo a minha sinceridade maior para a escolha do presidente da Junta ou da Assembleia Municipal. Trata-se de pensar no País em geral, no primeiro caso, e de confiar pessoalmente nos nomes a sufrágio, no segundo. 
Já toda a gente opinou sobre as vitórias e as derrotas mais conspícuas do dia 01 de Outubro (aqui se destacando o evidente sucesso do PS, claro). Creio, contudo, que poucas vozes se têm ocupado de um certo fenómeno importante, aparentemente larvar, no panorama político de Portugal – o do esvaziamento do PSD em benefício já não apenas do PS, mas do CDS-PP. É verdade que no Porto o partido de Assunção Cristas se abrigou sob a asa magna do independente Rui Moreira; mas bastaria reparar nos resultados em Lisboa para se perceber o extraordinário reforço dos chamados “centristas”. A quem, no PSD, a acusava de traição, Cristas já veio dizer que Passos Coelho menorizou as autárquicas, nunca assumindo a urgência, nesse plano, de um trabalho aturado, consistente e próximo nas ruas e bairros da capital.
Julgo que as ideias, a atitude e o discurso de Passos, enquanto primeiro-ministro, muito contribuíram para esta emancipação do CDS-PP, que passou a ser visto, não só como muleta do partido principal da Direita, mas como alternativa moderada e razoavelmente humanista a um certo liberalismo de pacotilha (espécie de Margaret Thatcher requentada). Sintomaticamente, em Loures, o CDS-PP envergonhou-se do discurso troglodita de André Ventura. Esse pudor, do ponto de vista do eleitor nacional, é uma relevantíssima afirmação de higiene e de decência, que pode, a prazo, ser um trunfo não despiciendo. A confirmar nas legislativas.
Os resultados do PCP mereceriam uma crónica inteira. Ainda assim, à laia de telegrama, aduzo algumas notas. É mais ou menos unânime a ideia de que os autarcas da CDU são, em geral, competentes, dedicados e honestos. A perda (dramática) de poder autárquico representa, neste caso, o preço a pagar pela aproximação dos comunistas, na Assembleia da República, ao PS (e, concomitantemente, uma tácita legitimação da transferência de votos para o partido de António Costa)? Pode ser. Mas o que sobretudo ressalta da situação, não apenas conjuntural, é esta aparente incapacidade de o PCP se renovar, actualizando alguns dos seus conceitos fundadores, sob pena de morte por obsolescência.
A Direita diz que o PCP não pode mudar porque, se o fizer, desaparece. Mas pode, creio eu, suceder o contrário: desaparecer (ou tornar-se residual) por não mudar.

Coimbra, 08 de Outubro de 2017.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.educacao.cc.]

Sem comentários: