Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

ZONA DE PERECÍVEIS (115)


Três desejos (ou a felicidade)

Grupo IV do teste de Português, oitavo ano de escolaridade. Domínio: escrita. Tarefa: elaboração de um texto narrativo, partindo de uma situação fantástica (no sentido genológico do termo) – um mago, para premiar certo gesto generoso do narrador participante, oferece-se para satisfazer três desejos à sua (dele, narrador) escolha.
Os alunos enveredam por múltiplas-díspares hipóteses. Há quem recuse os desejos porque a bondade, se for mesmo bondade, é gratuita e não tem de ser paga. Há quem peça o venal dinheiro, a fundamental saúde, a abstrusa fortuna. E há raparigas e rapazes que pedem a imortalidade dos pais ou dos avós, a cura para o cancro, amigos novos, uma família “como deve ser” (sic), uma pastelaria na terra natal.
E eu bendigo esta tarefa da escrita, que tão naturalmente convocou nos alunos a reflexão filosófica sobre a magna e movediça questão da felicidade. Assombra-me a preclaridade tão precoce dos jovens aprendentes neste delicado ofício de pensar na sorte e no destino a haver.
Eu levei muitos anos a perceber que ser feliz era muito mais do que ser rico, ter sucesso ou fama ou poder. Por desde sempre viver vizinho dos amigos, dos livros, da família, dos filmes, do futebol, das praias, do amor – andei enganosamente à procura de coisas outras que significassem, julgava eu, a realização pessoal completa. Naquela ignorância, acreditava que o importante era não o que tinha, mas o que não tinha. Até saber a verdade evidente e grande como o mar: que a felicidade é um processo e são instantes; que estar bem se faz de mui simples horas, mui mínimas circunstâncias; que nunca se é feliz, antes se está.
Para alguns dos meus alunos, ser feliz é o avô não morrer de cancro. É testemunhar o milagre da amizade, algures na rua ou na escola. É ter pais que se dão bem e tratam os filhos dignamente. É ter uma pastelaria na sua terra (isto é, um trabalho que os salve do exílio). Coisas pequeninas e simples. Coisas, atentai bem, afinal maravilhosas e raras – como, já agora, isto de eu-cronista cronicar e ser lido (pois que lerem-me é um direito e eu ser lido é um privilégio).
Ora, a terminar, aqui ficam, os meus próprios três desejos, já em antecipação natalina: saúde para o cronista; saúde para os leitores; saúde para estas perecíveis crónicas, que aspiram a ser, no entretanto de (co)existirmos, um saudável território de encontro.

Coimbra, 30 de Novembro de 2017.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 07 de Dezembro de 2017. A imagem (do inesquecível filme Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore, foi colhida, com a devida vénia, em http://www.magazine-hd.com.]

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